O CONFLITO DE ISRAEL: UM ESPAÇO DE AGENTES, ESTRUTURAS E IDENTIDADES EM CONSTANTE RECONSTRUÇÃO


Victor Coutinho Lage1

Resumo

Os conflitos internos representam um dos fenômenos candentes das relações internacionais contemporâneas. O conflito de Israel exemplifica bem a complexidade e a multiplicidade de variáveis relevantes para a dinâmica destes eventos. A análise pretende demonstrar como a vertente realista e o construtivismo estrutural apresentam insuficiências (meta-)teóricas para a compreensão de fenômenos com tamanha complexidade. O surgimento da Questão Palestina e a dinâmica da política interna do Estado (incluindo os territórios ocupados) conformam um cenário cujos agentes, identidades e narrativas são constantemente reconstruídos. Propõe-se, então, o construtivismo lingüístico como alternativa para o estudo. Dessa forma, é possível entender melhor os contextos contemporâneos, pois o espaço internacional passa a ser concebido por meio de contextos de interação em que: os agentes não são somente os Estados; as identidades são plenamente sociais; e a separação epistemológica entre o interno e o internacional perde sua rigidez ontológica.


Palavras-chaves

Teorias de Relações Internacionais; meta-teoria; realismo; construtivismo; conflito de Israel.

Abstract

Internal conflicts represent one of the incandescent phenomena of contemporary international relations. Israeli conflict well exemplifies the complexity and the multiplicity of relevant variables to this phenomenon dynamics. The analysis intends to show how the realist current and the structural constructivism have (meta-)theoretical inefficiencies to the comprehension of phenomena of such complexity. The emergence of the Palestinian Question and the state's internal political dynamics (including the occupied territories) conform a scenario whose agents, identities and narratives are constantly reconstructed. The proposal, herewith, is the linguistic constructivism as an alternative for the study. This way, there is a possibility to better understand the contemporary contexts that: agents are not only the states; identities are completely social; and the epistemological distinction between the internal and the international looses the ontological rigidity.


Keywords

International Relations theories; meta-theory; realism; constructivism; Israeli conflict.



1Victor Coutinho Lage é graduando em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.




Introdução

O conflito de Israel1 é um dos fenômenos mais importantes das relações internacionais e também um dos principais focos de disputas no Oriente Médio. Nesta região, o tratamento concedido às minorias2, como os palestinos, pode ser considerado o responsável por grande parte dos conflitos vigentes (Kumaraswamy, 2003).

Pierre George (1985) faz questão de distinguir entre uma situação em que existem minorias e uma outra de pluralismo. O pluralismo apresenta um contexto de interação no qual não há minorias ou maiorias, pois a estrutura do Estado é garantidora de igualdade entre os grupos humanos; uma coexistência harmônica que é pautada por respeito entre os grupos e por direitos reconhecidos com igualdade. As minorias, portanto, correspondem a uma situação social (ideacional e material) contexto-dependente, e não a uma condição natural ou numérica de existência.

A discussão que se segue pretende: analisar o conflito de Israel segundo a abordagem do construtivismo lingüístico das Relações Internacionais; e demonstrar como a vertente realista3 e o construtivismo estrutural de Wendt apresentam insuficiências teóricas para o entendimento da dinâmica do conflito. A multiplicidade de variáveis concorrentes nos conflitos internos é um obstáculo à vertente realista, dado que, conforme Waltz (1979), um requisito essencial de uma teoria que ele classifica como útil é o isolamento de poucos e mais importantes fatores e forças a serem analisados. A premissa de centralidade do Estado do autor deriva dessa concepção excessivamente parcimoniosa de teoria, a qual acaba por relegar considerações de ordem interna ou doméstica e dificultar a inclusão, na análise, de agentes que não possuam atributos definidos como estatais (Rogers, 1996). Quaisquer mudanças na estrutura das relações internacionais devem ser resultado, na perspectiva realista, de uma redistribuição das capacidades entre os Estados, os únicos capazes de projetar poder ou fazer política (Guzzini, 2002). É por isso que o espaço realista das relações internacionais é o lugar de interação interestatal, ou seja, entre unidades soberanas e unitárias; os demais espaços sociais são vistos como irrelevantes (Nogueira, 2000).

Os percalços desse compromisso realista com a simplificação são desnudados ao se perceber que os fenômenos internacionais contemporâneos apresentam inúmeras e complexas relações entre vários fatores, em um contexto de múltiplas variáveis, sejam elas domésticas ou internacionais, materiais ou ideacionais (Teti, 2007). Entre esses fenômenos estão justamente os conflitos ocorridos dentro das fronteiras de um Estado, os quais nos ajudam a entender como a separação pré-determinada entre o doméstico e o internacional (estipulada pela vertente realista e pelo construtivismo estrutural) dificulta o entendimento da mudança. As mudanças significativas de identidade entre os agentes do conflito de Israel catalisam transformações das normas e do contexto de interação, levando a uma alteração da distribuição de benefícios e, portanto, a um re-arranjo social e das condições de dominação vigentes, de acordo com o previsto pelo construtivismo linguístico. A geografia étnica, os sistemas econômicos e instituições políticas discriminatórios, as ideologias nacionais exclusivistas, as histórias conflitantes e a discriminação cultural são alguns dos principais pontos de embate nos conflitos internos4 (Brown, 1996).

É verdade que Waltz (1979) argumenta corretamente ao dizer que as relações internacionais não podem se confinar às fronteiras estatais, todavia a solução sistêmica que propõe caminha para o oposto do espectro, desconsiderando as identidades e os atributos de cada ator, fixando o interesse nacional e definindo os atores estatais como unitários. Segundo o autor, teríamos o reconhecimento das diferenças entre as unidades, mas o comportamento das mesmas (Estados) no sistema internacional decorreria da estrutura sistêmica material internacional, e não dos fatores internos ou ideacionais.

O ponto é que inferir os cursos de ação a partir de propriedades materiais e estruturais é uma opção meta-teórica inadequada quando o fenômeno estudado não se enquadra nos moldes rígidos previstos pela teoria. Os conflitos internos são, em sua grande maioria, de caráter nacionalista, logo variáveis culturais ou ideacionais são indispensáveis para o estudo. Como Kratochwil (1989) destaca, as práticas interativas são interpretações mútuas e negociações acerca da noção de realidade a ser institucionalizada.

Para conduzir a discussão que se introduziu, o artigo procederá nas seguintes etapas: a primeira seção se dedica ao surgimento da Questão Palestina e ao povo palestino, entendido como um novo ator no conflito a partir da constituição do Estado de Israel em 1948; a segunda seção, subdividida em duas subseções, analisa (1) a política de Israel e como as narrativas dos agentes são essenciais para o entendimento da dinâmica do conflito e (2) a dinâmica dos territórios ocupados, a fim de entender as disputas entre os grupos de resistência, em especial após a morte de Yassir Arafat, líder histórico do povo palestino; a terceira seção argumenta que a distinção entre os espaços doméstico e internacional é epistemológica e prejudicial à compreensão de fenômenos como os conflitos internos; por fim, a última seção faz uma breve conclusão dos pontos discutidos.

O surgimento da Questão Palestina e sua ressignificação: o povo palestino como novo agente

As divergências entre judeus e palestinos remontam a períodos anteriores à Segunda Guerra Mundial e tem lugar na região denominada de Palestina (em árabe, Falastin; em Hebreu, Eretz Yisrael). É importante destacar que esse termo, Palestina, indica um lugar - e não um povo - a oeste do Rio Jordão, até o Mar Mediterrâneo. A ênfase nos termos Palestina ou Eretz Yisrael não pode ser entendida como decorrente da realidade geográfica local, mas sim como pertencente às narrativas concorrentes defendidas por palestinos e judeus, que dão respaldo às diferentes políticas de identidades (Hopf, 1998). Ou seja, o território não é uma materialidade independente dos sentidos atribuídos pelas interações sociais: as regras constitutivas das identidades e das narrativas transformam este território em recurso para a interação discursiva entre agentes que pretendem estabelecer o controle político sobre o território.

Em 1917, com o final do Império Otomano, a Declaração Balfour estipulou que o governo britânico deveria favorecer a constituição de um lugar para o povo judeu na terra da Palestina, com a condição de não haver qualquer tipo de prejuízo aos direitos civis e religiosos das comunidades não-judaicas da região. Pode-se datar desse período o surgimento da Questão Palestina e do conflito entre árabes e judeus, uma vez que a Declaração estimulou a imigração dos últimos para a região, produzindo intensas disputas entre eles e os habitantes locais5. Em 1922, a Liga das Nações concedeu aos britânicos um Mandato para a Palestina, um local já problemático.

Como foi dito, um traço marcante do conflito de Israel são as narrativas conflituosas de judeus e palestinos. Narrativas representam "um modo fundamental de organização da experiência humana e de explicação do comportamento humano, e uma ferramenta para a construção de modelos da realidade" (Kacowicz, 2005, p.344). No caso em questão, o conflito é marcado por narrativas políticas, ou seja, aquelas que apontam para conteúdos e implicações associados a relações de poder, à distribuição de benefícios, a tomadas de decisão ou a compromissos entre grupos; seus elementos constitutivos são eventos históricos, narrados em uma seqüência temporal de ocorrência e causalidade (Shenhav, 2006), que atribui sentido ao mundo de determinado ator, constituindo, inclusive, as suas identidades (Kacowicz, 2005). Tais narrativas representam uma estrutura na qual passado, presente e futuro estão conectados em uma interpretação política dos eventos do passado que justifica ações presentes e prescreve posicionamentos (Barnett, 1999), construindo as fundações epistemológicas dos atores. De acordo com Kacowicz (2005), as narrativas são, em geral, reflexos de imagens e percepções construídas pelas partes, nas quais o inimigo é colocado como violador das normas. Deve-se ressaltar que as narrativas não podem ser julgadas pelo critério de veracidade, pois não se pode estabelecer uma única verdade a ser narrada; no entanto isso não significa que todas sejam válidas, visto que o limite social intersubjetivo legitima algumas em detrimento de outras.

Da mesma forma que ocorre com as identidades, as narrativas também são construções sociais constantes nas interações entre os agentes. Salienta-se que elas não são livres de constrangimentos, por isso não completamente relativistas, uma vez que os eventos são exteriores à própria narrativa, produtos de uma interpretação (Shenhav, 2006). Afinal a construção social é sempre um processo intersubjetivo limitado, mesmo que minimamente, por parâmetros materiais e estruturais de possibilidade (Wight, 1999; Bieler e Morton, 2001; Teti, 2007). Assim, o potencial da agência se vê limitado por instituições pré-existentes e por problemas que limitam atitudes revolucionárias idiossincráticas ou arbitrárias pessoais (Kratochwil, 1989, 2006a). Um mesmo agente pode possuir diferentes narrativas (e identidades), dado que não é um ator unitário, como ficará claro em relação às partes do conflito de Israel. Segundo Shenhav (2006), as mudanças das narrativas políticas nacionais não se referem tanto a alterações em temas abordados, mas sim ao surgimento de novos posicionamentos concernentes à legitimação de determinadas narrativas.
Até o estabelecimento do Estado de Israel, o povo palestino possuía uma identidade ligada ao pan-arabismo, ou seja, consideravam-se árabes e a narrativa pan-árabe era, portanto, predominante. Segundo Shimon Peres (1994), foi apenas com a guerra de 1948, que os palestinos passaram a desenvolver uma identidade própria. Neste momento, é possível identificar o surgimento não somente da identidade de um novo ator, como também de uma condição social de minoria, segundo definição de George (1985). Isto ocorre, pois os palestinos se percebem como prejudicados na distribuição de benefícios na Palestina, impedindo que a convivência seja de pluralismo.

Ao passar à condição de minoria, pode-se notar que o povo palestino não conservou uma essência identitária, ou seja, as práticas sociais (como a fundação do Estado em 1948 e a guerra subseqüente, por exemplo) construíram socialmente a concepção de nação entre os palestinos que habitavam a região, de forma que passaram a representar-se como um novo agente das interações, o qual não se equivalia ao agente do mundo árabe, como ocorria até então. Isso teve um impacto profundo na dinâmica do conflito.

Houve uma proposta de solução do conflito por parte da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1947. Esta apontava dois Estados, um árabe e um judeu, sem que fosse mencionado um Estado palestino propriamente dito. Esta primeira proposta foi recusada pelos árabes (DellaPergola, 2001); um ano depois, em 14 de maio, houve uma proclamação unilateral da Agência Judaica, implementando o Estado de Israel, definido como democrático e de caráter judeu6. Começava uma guerra, vista pelos judeus como a "Guerra da Independência" e pelos palestinos como "A Catástrofe" (El-Nakba), que fez com que a relação judaico-árabe piorasse gravemente (Zahreddine, 2006).

A Questão Palestina representa uma estrutura normativa estável e em constante transformação. Por um lado, estável, pois concerne a uma região específica, pautada por disputas territoriais, preocupações demográficas, considerações estratégicas, entre outros traços constantes dos problemas regionais. Este quadro de referência perpassa toda a história da Questão Palestina, na qual lugares comuns (topos) são construídos como forma de estabilização de contextos propícios à validação de narrativas ou justificativas proferidas. Por outro lado, dinâmica e diacrônica, uma vez que as práticas dos atores transformam constantemente os padrões de relacionamento, até mesmo o sentido da dimensão material (como território, população). Todas as práticas alteram os arranjos sociais ou as estruturas normativas, seja reproduzindo e, portanto, reforçando-os, seja contestando e, então, enfraquecendo-os (Onuf, 1994). Diante disso, seria equivocado que as normas fossem abordadas com peso maior dado à sua dimensão regulatória ou causal, como faz o construtivismo estrutural; sua qualidade dual (causal e constitutiva) é primordial para o conhecimento de significados atribuídos e de justificações proferidas durante as práticas ou atos performativos (Kratochwil, 1989; Wiener, 2003, 2004, 2006).

Até esse ponto, duas conclusões podem ser extraídas: a primeira é que a alteração da identidade palestina não conservou um núcleo essencializado do agente; a segunda é que o novo agente construído alterou profundamente a dinâmica do conflito - pode-se dizer que a Questão Palestina antes se remetia à região geográfica e, depois, passou a se referir a um povo palestino, mais do que a uma disputa territorial. Por ora, pretende-se defender que são fundamentais dois passos teóricos nas Relações Internacionais: a endogeneização do que o construtivismo estrutural de Wendt (1999) chama de identidade corporativa, conforme apontam Cederman e Daase (2003)7 - isto é, tornar a política doméstica uma variável endógena do espaço internacional - e a incorporação de novos atores, que não somente estatais ou que ajam por meio do Estado, no estudo de fenômenos complexos, como o conflito de Israel. As interações potencialmente transformam as identidades por completo, ainda que não necessariamente o façam. Identidades são, como Barnett (1999) define, um entendimento do próprio agente em relação aos demais, por isso são relacionais e sociais, contingentes e contexto-dependentes.
Do mesmo modo como a narrativa palestina foi construída após 1948, conectando aspectos históricos a fim de justificar a alegação de propriedade das terras da região, o povo judeu também recorre a narrativas que ligam os acontecimentos pretéritos a um direito advogado para si de propriedade das mesmas terras: configura-se um cenário característico da política das identidades. Em convergência com Wendt (1999), os poderes e os interesses envolvidos na argumentação das partes em conflito pressupõem uma dimensão ideacional. O mundo material existe e limita significações, todavia não conduz a uma explicação única, e sim a interpretações validadas intersubjetivamente. É válido lembrar da afirmação de Onuf (2002) de que o mundo é um espaço físico e social, sem distinção clara entre ambos.

O argumento aqui defendido, no entanto, distancia-se da proposta de Wendt, caso voltemos nossa atenção para a construção dos interesses. É verdade que, como o próprio autor afirmou, eles derivam das identidades (o agente sabe o que quer, a partir do momento em que sabe o que é); entretanto, os interesses palestinos, por exemplo, foram construídos como conseqüência da formação de uma identidade inteiramente social, isto é, sem dimensões prévias à interação social. Identidades são intersubjetivas e constantemente construídas na interação, decorre disso a necessidade de abordá-las como uma variável constitutiva endógena (Teti, 2007). Assim, a própria concepção de nação pode variar ao longo do tempo em uma plenitude da identidade agencial que não é admitida pelo construtivismo estrutural. Ainda, o nacionalismo é fruto de uma atividade normativa oriunda das dimensões doméstica e internacional (Koslowski e Kratochwil, 1994), como é notório entre os povos judaico e palestino.

Como os atores não são unitários, a política interna passa a ser essencial para a compreensão das normas vigentes no contexto de interação. As diferenças partidárias configuram um espectro de narrativas divergentes. A seção seguinte se dedica à análise dos atributos internos dos agentes do conflito com o objetivo de demonstrar como o foco exclusivamente sistêmico é insuficiente para entender a dinâmica dos conflitos internos.

Os agentes internos em Israel: partidos e grupos diferentes, narrativas distintas

Tanto o construtivismo estrutural quanto a vertente realista possuem em comum a noção de separação entre os espaços interno e internacional, provendo, ao segundo, uma abordagem sistêmica que relega os atributos internos dos agentes do primeiro. Esse arcabouço teórico obstrui uma compreensão de fenômenos complexos como os conflitos internos. Sendo assim, as dinâmicas interativas da política israelense e dos grupos de resistência palestinos não podem ser desconsideradas.

A política interna de Israel

Durante muito tempo, a política do governo de Israel foi dominada por dois partidos: o Trabalhista, de orientação esquerdista e mais moderada, e o Likud, de orientação direitista e menos tolerante frente à Questão Palestina. Essa distinção é de suma importância na dinâmica do conflito, pois representa uma clivagem entre narrativas diferentes dentro da política de Israel. O Partido Trabalhista não defende que a Palestina deva ser uma terra exclusiva dos judeus, uma vez que não pressupõe a exclusividade histórica desse povo na região. O Likud, por seu turno, defende uma narrativa menos tolerante ao argumentar que a Palestina é uma terra historicamente pertencente ao povo judeu, e somente a ele. Por isso, ao longo do tempo, a maior parte dos avanços nas negociações de paz se deveu ao Partido Trabalhista (Zahreddine, 2006).

Nas primeiras três décadas, o governo israelense foi de domínio de coalizões do partido Trabalhista; todavia, em 1977, uma coalizão liderada pelo Likud, fundado em 73, assumiu o poder, causando uma mudança substancial de pensamento das lideranças do Estado (Brom, 2007). A partir deste momento, entrou em cena a concepção de Grande Israel (Eretz Yisrael); é relevante lembrar que o termo se remete a uma narrativa de cunho religioso e histórico, que advogava para os judeus toda a terra da Palestina. Considerada hostil, a população palestina era encorajada a emigrar, de forma que o problema demográfico fosse resolvido, chegando, por conseqüência, na visão do governo, à solução do conflito. Nem a resistência palestina, por vezes via terrorismo, provocou mudanças na lógica de pensamento da coalizão do Likud e, ao fim, Israel obteve controle dos territórios ocupados, a despeito dos atos contrários por parte de grupos armados estimulados pela Organização para a Libertação da Palestina, a OLP, formada em 1964 (Brom, 2007).

Apenas em setembro de 1978, nos acordos estabelecidos em Camp David, é que Israel, pela primeira vez, reconheceu formalmente o povo palestino na condição de grupo carente, em certa medida, de uma atenção maior voltada à possibilidade de autodeterminação (Brom, 2007). A partir de então, o governo de Israel passou a entender os palestinos como um povo distinto, e não somente à luz do conflito com os Estados árabes vizinhos. Todavia, o fracasso das negociações sobre a Questão Palestina intensificou a atividade de Israel nos assentamentos da Cisjordânia, contrariando profundamente os interesses palestinos.

Em 1987, ocorreu a primeira revolta popular massiva dos palestinos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia: a primeira Intifada. Os protestos se caracterizavam, em sua maioria, por manifestações de massa levadas a cabo por grupos não-armados (ainda que o terrorismo e outras medidas armadas tenham ocorrido), em resposta às incursões israelenses nos territórios ocupados após as guerras de 48 e de 67 (Zahreddine, 2006). Segundo Brom (2007), o Estado de Israel não era preparado para lidar com esse tipo de resistência, assim, ao término da revolta, a Questão Palestina passou a requerer, mais do que em qualquer outro momento anterior, uma solução que não ficasse focada na existência ou não do povo palestino, e sim se calcasse em medidas concretas para lidar com o conflito. As negociações, desde então, dariam-se com um novo ator (como visto, em formação desde 1948): o povo palestino8.

As guerras de 1967 e de 19739, assim como os posicionamentos políticos ao longo das décadas posteriores ao fim da Segunda Guerra, minaram, gradualmente, o pan-arabismo na região, de modo que o mundo árabe não se descrevia mais como unitário, o que intensificou o desenvolvimento de identidades separadas entre os países (Brom, 2007). As implicações disso para o conflito são importantes: com o mundo árabe fragmentado, Israel não mais atuaria em uma lógica de conflito entre duas partes (judeus e árabes), com isso seriam possíveis acordos de paz separados com cada Estado; em adição a isso, o conflito passava a ser visto não como fruto de movimentos árabes vizinhos, e sim como disputas entre grupos atuantes dentro das fronteiras de Israel. Pode-se dizer que, neste momento, a estrutura normativa da política de Israel se transformou, pois o "discurso em torno das controvérsias" (Kratochwil, 1989) da Questão Palestina se remetia a um povo palestino situado dentro do Estado, um característico conflito interno. Isto não significa, porém, que as conexões deste com o exterior cessaram, tampouco que todos os países árabes deixaram de ser vistos como hostis; o que houve foi uma alteração da percepção do governo israelense em relação ao sentido das divergências regionais.

Note-se que a fragmentação do mundo árabe fez esvair a força do pan-arabismo na condição de seu pilar identitário. A possibilidade de acordos de paz separados com os Estados árabes é ainda mais notável, quando se percebe que essa alteração foi uma reconstrução identitária, que relegou o pan-arabismo, algo construído no âmbito sistêmico internacional. Situa-se, então, que a crítica de Behnke (2001) se sustenta, visto que o construtivismo de Wendt de fato não considera a possibilidade das interações sistêmicas construírem as identidades corporativas dos Estados - e muito menos de outros atores que não agem por meio dos Estados. Para a superação desse problema, é valido que concebamos os agentes - não somente estatais - como criações fictícias através das quais pessoas agem em nome de outras, como defende Onuf (1989, 1998a); a noção de Wendt (1999) de que somente Estados ou grupos que ajam por meio deles devem ser os agentes relevantes obstaculiza a compreensão da dinâmica de um conflito interno como o de Israel.

A tendência ao reconhecimento do povo palestino como parte do conflito culminou no processo de Oslo, no início da década de 90. A primeira Intifada e a fragmentação paulatina do mundo árabe foram cruciais para que Israel mudasse a percepção de ameaça e pudesse aceitar uma conversa com representantes dos palestinos10 (Brom, 2007). As eleições de 1992 colocaram no poder Yitzhak Rabin, do partido Trabalhista, cuja moderação abriu uma janela de oportunidade para que as negociações secretas de Oslo pudessem ser producentes. O objetivo era a cooperação em todos os campos possíveis, a qual traria prosperidade econômica e redução dos grupos extremistas na região (Baskin e Rosenberg, 2003). Se é verdade que muitas questões ficaram em aberto, gerando problemas posteriores, é verdade, também, que Oslo11 foi um divisor de águas no aspecto do reconhecimento formal das partes em conflito e da consecução de acordos entre elas, marcando uma alteração da estrutura normativa do conflito. Israel passava, então, a entender a paz como um passo anterior à segurança, algo que viria a sofrer nova reviravolta anos depois. De acordo com Barnett (1999), Rabin teve o grande mérito de construir um espaço na política de Israel para que a identidade nacional e os interesses do país fossem compatíveis com um processo de paz com os palestinos. A expressão máxima disso foi o épico aperto de mãos entre Rabin e Arafat, na Casa Branca, em 13 de setembro de 1993.

Em 1995, Rabin foi assassinado por um membro de um grupo de ultradireita de Israel, contrário à negociação com os palestinos. Shimon Peres, político dos mais influentes nos acordos de Oslo, assumiu como Primeiro-ministro, sendo, pouco tempo depois, derrotado nas eleições pelo Likud. Neste momento, o processo de Oslo definhava de maneira mais profunda (Zahreddine, 2006). Ao assumir o poder, o Likud, liderado por Binyamin Netanyahu, inverteu a concepção desenvolvida por Peres, colocando a segurança novamente à frente da paz (Brom, 2007). O novo líder era abertamente cético e até mesmo contrário aos acordos de Oslo. O processo de paz ruía, pois ambos os lados não cumpriam os seus compromissos.

O governo Netanyahu fracassou na tentativa de lidar com o conflito, provocando paralisia total dos avanços propostos em Oslo (Zahreddine, 2006) e, por conseguinte, insatisfação de grande parte da população; com isso, nas eleições de 1999, Ehud Barak assumiu o governo. Somadas, as negociações de Camp David (julho de 2000), a segunda Intifada (que começou em setembro de 2000) e as conversas fracassadas de Taba (2001) construíram um quadro em que o conflito parecia atingir seu ponto máximo de impasse. Começava a ganhar força a idéia de dois Estados separados na Palestina - dessa vez, o segundo Estado seria Palestino, e não árabe.

Nos anos 2000, um ponto-chave na agenda doméstica de Israel foi a intensificação da preocupação demográfica (Brom, 2007), pois a porcentagem dos judeus no Estado vem decaindo ao longo dos últimos anos, segundo dados do Israeli Central Bureau of Statistics. A taxa de natalidade na população árabe, tanto nos árabes de Israel quanto nos palestinos, é bem maior do que entre os judeus, por isso, mesmo com a imigração dos anos 80 e 90, após o colapso da Guerra Fria, a tendência é de redução relativa dos judeus frente aos árabes (DellaPergola, 2001).

Essa nova ameaça percebida ilustra como o conceito de segurança do Estado se alterou ao longo do tempo. Aludindo a uma questão de ordem teórica, é possível dizer que a noção de segurança não era inferida a partir de ameaças somente militares ou de Estados com maiores poderes materiais (efetivos ou potenciais), como também por questões populacionais (o aumento do número de palestinos poderia acarretar em marginalização dos judeus) e identitárias (mais do que marginalizados, os judeus poderiam ver sua própria nação eclodir pela "palestinização" do Estado), todas elas no interior das fronteiras do Estado. No geral, a solução de dois Estados foi vista como cada vez mais viável, mesmo sem unanimidade12.

Uma separação que restrinja o movimento entre os territórios ocupados e o resto de Israel é profundamente mais danosa para a economia da Palestina13. Um exemplo da discrepância na distribuição de benefícios (neste caso, econômicos) entre judeus e palestinos é que a economia de Israel (excluindo os territórios ocupados) é de quinze a vinte vezes maior do que a da Palestina (territórios ocupados), enquanto o padrão de vida chega a ser dez vezes mais alto (Baskin e Rosenberg, 2003). A deterioração ainda maior dessa condição de vida pode ter o efeito contrário ao desejado por Israel, ou seja, pode haver um aumento da violência e uma mobilização internacional em prol da causa palestina (Baskin e Rosenberg, 2003).

O fracasso seguido das tentativas de negociação entre judeus e palestinos (Oslo, em 1993, Camp David, em 2000, e Taba, em 2001)14 é explicado de diferentes maneiras, de acordo com cada uma das partes. A narrativa israelense aponta para violações palestinas das obrigações acordadas a partir de Oslo. A narrativa palestina, por seu turno, afirma que a presença continuada de Israel nos territórios ocupados, mesmo após Oslo, era um sinal explícito de transgressão dos acordos. Houve, com isso, uma sensação de desconfiança mútua entre as partes (Kaciwicz, 2005), o que fortaleceu a concepção de separação física entre os povos, como exposto acima. O fracasso das negociações sempre foi explicado por meio de uma estratégia narrativa de culpar o inimigo.

Com a segunda Intifada, os acordos de paz que ainda restavam sofreram um abalo substancial. A economia palestina, que havia dado sinais positivos de recuperação entre 1998 e 2000, foi duramente prejudicada, devido a acusações de corrupção e de medidas anti-democráticas na Autoridade Palestina e a medidas restritivas de Israel ao movimento dos palestinos e ao comércio entre eles e os judeus. A narrativa israelense passa a apresentar a revolta palestina como ataques terroristas premeditados por Arafat, configurando-se em uma renúncia explícita das negociações pacíficas em prol da violência física. Os palestinos eram rotulados de terroristas que se opunham não à ocupação dos territórios, mas sim ao conceito de paz negociada (Kacowicz, 2005). Assim, até a morte de Arafat, em novembro de 2004, a maioria dos judeus não acreditava que os seus inimigos pudessem ser parceiros confiáveis para o estabelecimento da paz. Esse descrédito levou a uma vitória expressiva de Ariel Sharon, do Likud: era o apoio a um discurso de ações unilaterais na política do governo.

Pelo lado palestino, a narrativa é frontalmente contrária. A OLP definiu a segunda Intifada como uma resposta a sete anos de negociações fracassadas para obtenção da paz, como pode ser percebido em conhecido artigo de Arafat, em 2002, publicado no "New York Times". Ademais, a revolta popular era uma reação ao insulto de Sharon quando visitou, em 28 de setembro, a esplanada das mesquitas em Jerusalém (Haram al-Sharif), lugar sagrado para a religião muçulmana, e à repressão exercida por Israel contra os primeiros protestos não-armados de setembro (Kacowicz, 2005).

Diante destas narrativas opostas, fica claro que o malogro do processo de paz de Oslo é função da interpretação que cada agente lhe concedeu, o que gerou expectativas divergentes acerca do que esse processo poderia propiciar (International Crisis Group, abril de 2002). O argumento é que a história relatada nas justificações do fracasso das negociações passa a ser não um fator neutro que corrobora argumentos teóricos, como defende a vertente realista (D'Aoust, 2004; Cox, 1986), e sim um guia normativo para a conduta. A história, através das narrativas, alega representar a "realidade", mas, na verdade, a sua constante reconstrução indica que narrativas e história são produto de um contexto histórico determinado (Walker, 1987) e de uma interpretação construída socialmente.

Quando, em 2001, Ariel Sharon, fundador do Likud (em 1973), foi eleito Primeiro-ministro de Israel, pôde ser atestada uma mudança de mentalidade do político15, que sempre defendeu uma política agressiva de assentamentos nos territórios ocupados, visando ao controle definitivo da área e inviabilizando a implementação de um Estado Palestino, visto como uma ameaça à segurança de Israel. Após eleito, passou a defender que os palestinos deveriam ter um Estado próprio e começou um plano unilateral de retirada dos assentamentos judeus em determinadas partes dos territórios ocupados, algo compartilhado por partidos da direita e da esquerda. À época, o governo de Israel deixava clara a descrença na mudança de atitude dos palestinos enquanto Arafat e sues apoiadores tivessem no controle (Dowty, 2004). Esta decisão se mostrou polêmica para membros do Likud, levando à cisão em dois partidos: um mantenedor do centro ideológico de fundação e um outro denominado Kadima, formado por Sharon e seus seguidores. Judeus e palestinos não se consideravam parceiros para o estabelecimento de acordos (Cordesman, 2006). Além disso, o governo de Sharon mantinha pressões políticas (isolamento de Arafat e construção do muro na Cisjordânia), econômicas (fechamento de fronteiras para trabalhadores) e militares (ataques preventivos contra grupos de resistência) contra os palestinos, o que agravou a situação sócio-econômica dos territórios ocupados (Zahreddine, 2006).

A defesa do unilateralismo, porém, perdeu força com a Guerra contra o Hezbollah, em 2006. Quando, unilateralmente, Israel decidiu se retirar do sul do Líbano, sua atitude foi guiada por considerações de legitimidade, tanto doméstica como internacional, de acordo com Brom (2007). A presença das Forças de Defesa Israelense (FDI) no Líbano havia perdido apoio doméstico em Israel, pois sua função original - a defesa contra ataques terroristas do Hezbollah - não tinha mais sentido a partir do momento em que os ataques não mais ocorriam. A retirada possuía três objetivos: recuperar legitimidade doméstica do governo, fazer ruir a legitimidade do Hezbollah (dentro do Líbano e por outros atores) em sua luta contra Israel, e adquirir maior legitimidade internacional para a ação israelense. O sucesso dessa política foi consenso até julho de 2006, quando se iniciou uma guerra contra o grupo armado. Na ocasião, membros do Hezbollah atacaram uma posição das FDI e seqüestraram dois de seus soldados, causando uma retaliação israelense imediata. Desde então, a retirada foi questionada, vista por muitos como uma abertura para que o Hezbollah agisse com menos constrangimentos no sul do Líbano. Com isso, o unilateralismo perdeu apoio interno, levando o então candidato a Primeiro-ministro, Ehud Olmert, a abandonar suas promessas de campanha referentes a esta política. A eleição de Olmert, em 2006, trouxe ao poder uma coalizão liderada pelo Kadima, da qual participam, ainda, o Partido Trabalhista e outros.

Como se vê nessa retomada dos passos do conflito, as diferenças entre os partidos políticos de Israel expressam a importância da política doméstica para as interações no ambiente internacional. A variação do governo Israel nas mãos de trabalhistas ou membros do Likud (e, mais tarde, do Kadima) teve impacto constante nas negociações internacionais. Além disso, como a primeira Intifada demonstra, as pressões externas provocam mudanças na política doméstica dos Estados. Sendo assim, reitera-se que o entendimento do conflito requer a endogeneização da identidade corporativa postulada por Wendt (Cederman e Daase, 2003), de forma que as interações sejam construtoras constantes e por completo das identidades dos agentes (Kratochwil, 2006a). Sem a definição prévia da política doméstica, o Estado se abre para a interação em âmbito internacional, favorecendo a mudança de sua identidade e, por conseguinte, de sua conduta. Sendo assim, é mais adequada uma abordagem que torna endógena por completo as identidades dos agentes, o que faz o construtivismo linguístico.

Essa endogeneização ainda traz consigo outra grande vantagem, a saber, a possibilidade de inclusão de novos atores no arcabouço teórico. O argumento é que, como os Estados são centrais em Wendt (1999) e, mais do que isso, os demais atores somente se fazem presentes através dos Estados, o construtivismo estrutural, mais do que engessar parte do Estado, impede a consideração de outros atores que não se fazem pelo intermédio estatal. Isso é um problema para a compreensão do conflito de Israel, pois o Estado possui grupos armados nos territórios palestinos que não são agentes intermediados pelo Estado, como poderá ser atestado.

Os grupos de resistência palestinos e a intensificação das controvérsias

Os grupos armados ou de resistência dos territórios ocupados são fatores de suma importância para a dinâmica do conflito (Zahreddine, 2006). O período posterior à segunda Intifada gerou impactos nas disputas entre os palestinos. Grupos mais jovens e mobilizados ganharam força sob a égide do Fatah, organização que buscava manter o Hamas e a Jihad Islâmica, outros grupos de resistência palestinos centrados nos territórios ocupados, à margem da política de Israel. Esses três, em especial o Hamas e o Fatah, são os mais importantes grupos na dinâmica política dos territórios ocupados. Os malogros sucessivos das tentativas de acordos de paz conduziram a situação dos palestinos a uma política interna ainda mais complexa. Novos atores passaram a ser relevantes para a dinâmica do conflito, levando à proliferação das tensões advindas de objetivos e estratégias diferentes colocados em prática por eles (International Crisis Group, abril de 2002). Soluções anteriormente vistas como plausíveis, deixam de ser consideradas aceitáveis pelas partes.

Desde 1967, o Fatah foi o centro das coalizões dominantes na política palestina. Em 2002, o líder máximo dos palestinos e do Fatah, Yassir Arafat, publicou um artigo denominado "The Palestinian Vision of Peace", no qual condenava os ataques terroristas contra cidadãos israelenses, prometia combatê-los e vislumbrava a paz entre judeus e palestinos com o estabelecimento de um Estado para os últimos; além disso, Arafat afirmava que os parceiros de negociação para a paz com Israel seriam somente os palestinos e que Israel deveria dar passos mais confiáveis para que acordos fossem cumpridos. Em 2006, porém, com o acirramento das tensões e das insatisfações do povo palestino, o Hamas acabou assumindo o governo e o parlamento da Autoridade Palestina, enquanto o Fatah reteve a presidência da mesma e o controle da OLP (da qual o Hamas não participava até então), com Abu Mazen (Abbas).

As eleições criaram um problema: o Fatah, que objetivava consolidar sua legitimidade por meio das eleições, teve um resultado oposto, qual seja, perdeu a hegemonia, sem que aceitasse a derrota; o Hamas, por sua vez, colocou-se, pela primeira vez, na posição de governo, com o Primeiro-ministro Ismail Haniya, o que implicou em mais pressões políticas e de governança para um grupo não habituado a governar e que enfrentava a desconfiança dos atores externos (International Crisis Group, junho de 2006). Israel, que rejeitava tanto Arafat quanto seu substituto, Abbas, que assumiu, em 2005, a OLP e a Autoridade Palestina, após a morte do primeiro, deparou-se com um grupo que sequer pretendia negociar uma solução pacífica.

O governo do Hamas foi marcado por imensas dificuldades. Houve completa paralisia diplomática e econômica no que tange às relações do governo de Israel e dos atores internacionais com a política palestina, acentuada com os boicotes do Fatah contra a governabilidade dos territórios. O objetivo central desses boicotes era tornar o governo dos territórios inviável (International Crisis Group, junho de 2006). Os islâmicos do Hamas, pouco preparados para governar, viram sua tarefa ainda mais obstaculizada. De certa forma, essa clivagem desviou o foco das disputas do conflito com judeus para a questão de quem comandaria as instituições e quem teria o controle sobre a política palestina; os movimentos rivais passaram a se acusar mutuamente ao invés de dirigirem denúncias ao governo de Israel (International Crisis Group, junho de 2006).

As desconfianças externas adquirem proporções enormes quando se trata da governança dos territórios ocupados. Uma das instituições mais dependentes de ajuda externa (repasses do governo de Israel e financiamentos internacionais), a Autoridade Palestina viu-se em uma situação drástica com a paralisação de parte das fontes de financiamento ou doação16, o que refletiu na população local; na verdade, a crise da instituição vem se aprofundando desde a segunda Intifada, como mostram os dados de Banco Mundial (2007), que apontam para uma queda de cerca de 30% na renda per capta dos palestinos, com maior gravidade em Gaza. O impacto imediato da crise econômica se atestou no não pagamento ou pagamento parcial dos salários, que comprometem cerca de 60% do orçamento da Autoridade Palestina. Entendendo que a deterioração das condições de vida da população pode exacerbar tensões, percebe-se, pois, que os atores externos retêm profunda importância no conflito de Israel.

Desde a entrada do Hamas no governo, em 29 de março de 2006, os problemas de governabilidade se intensificaram a passos largos. Como bem expressa o International Crisis Group (fevereiro de 2007), o que havia sido suficiente para a vitória nas eleições, a saber, a oposição à política do Fatah, mostrou-se insuficiente para que o Hamas pudesse governar os territórios ocupados. As condições sócio-econômicas e o apoio popular foram se deteriorando, assim como as instituições da Autoridade Palestina se viram próximas ao colapso. A necessidade de estabelecer um acordo com os grupos adversários se tornou inexorável: o impasse se agigantava, em especial porque as forças de Hamas e Fatah eram desiguais nos territórios, com preponderância do primeiro em Gaza e do segundo na Cisjordânia. Neste contexto, a violência e as fatalidades aumentaram entre os palestinos.

Em 08 de fevereiro de 2007, estabeleceu-se o Acordo de Mecca, mediado pela Arábia Saudita. O Acordo foi o cume das negociações que já haviam sido feitas desde o ano anterior. De certa forma, é possível ver o início das conversas na "Iniciativa dos Prisioneiros"17, de 11 de maio de 2006. A pressão para solucionar a situação se mostrou insustentável com o tempo, daí ter sido inevitável uma conciliação mínima entre os grupos. Não obstante, o Acordo deixou muitas lacunas (como a integração do Hamas à OLP, os pormenores sobre as forças de segurança da Autoridade Palestina, entre outras), as quais acabaram expressando a volatilidade da política palestina.

O resultado era de se esperar. Em junho de 2007, novas batalhas eclodiram entre Hamas e Fatah pelo controle da Faixa de Gaza. Ao fim, Hamas tomou o controle do território, alegando que era uma atitude preventiva, visto que o Fatah estaria preparando um golpe no governo de unidade nacional estabelecido pelo Acordo de Mecca. Do lado do Fatah, o Hamas foi acusado, ele mesmo, de ter dado um golpe. As divisões internas dos grupos ocasionaram políticas divergentes e atitudes descompassadas de modo que os seus respectivos líderes não conseguiram controlar ações paralelas. O Acordo de Mecca colapsava: em 14 de junho, toda a Faixa de Gaza estava nas mãos do grupo islâmico do Hamas (International Crisis Group, agosto de 2007).

Mais uma vez, o Hamas se depara com, ao menos, dois pontos-chave: o governo volta às suas mãos, ainda que de maneira menos legítima do que em 2006, quando foi eleito; e a resistência internacional e de Israel se eleva novamente, após certo arrefecimento com o Acordo de Mecca. De modo geral, o Primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, tratou de modos diferentes cada um dos territórios ocupados: na Cisjordânia, buscou fortalecer Abbas, do Fatah, a fim de estimular um contraste com a Faixa de Gaza. Esta política está longe de unívoca, visto que o próprio Abbas sofre questionamentos internos. As retaliações do governo de Israel não tardaram e, em setembro de 2007, o governo afirmou que Gaza é um "território hostil"18, dificultando ainda mais a situação de Gaza.

Esse embate interno entre palestinos corrobora a noção de que não se pode abordar a questão do conflito de Israel, caso as premissas de centralidade do Estado e de essencialismo parcial identitário sejam conservadas. O jogo político no Estado de Israel denota que a complexidade da dinâmica do conflito é de tal ordem que o compromisso de Wendt (1999) e Waltz (1979) com o Estado como ator principal e unitário gera um entrave à compreensão do fenômeno. É importante lembrar que defender que as identidades devem ser endógenas por completo não significa advogar em favor de um relativismo absoluto (Cederman e Daase, 2003), mas apenas que as interações sociais não se confinam a determinadas dimensões dos agentes e que as identidades são puramente sociais (Kratochwil, 2006a).

Os corolários fundamentais do argumento acima são: (1) o espaço internacional não se restringe às relações entre unidades estatais unitárias; (2) as identidades são tomadas, todas, como sociais, ou seja, construídas socialmente em todas as suas dimensões; (3) a rigidez ontológica do espaço e dos agentes é reduzida, visto que as identidades (de atores coletivos) não mais seriam, sob nenhum aspecto, pré-existentes ou pré-sociais, logo seriam construções e reconstruções constantes e sociais; (4) os (novos) atores que agem fora da lógica ou da intermediação estatal podem ser considerados relevantes para as relações internacionais; e (5) a reificação do Estado, para a qual chamou atenção Wight (1999), pode ser minada, dado que as características de essência doméstica não mais se esquivam das interações em âmbito internacional.

Ao fim e ao cabo, o que essa discussão acerca das identidades pretende demonstrar é que a mutabilidade estrutural se torna ainda mais complicada na medida em que se supõe que os agentes, além de não serem somente os Estados, são, ainda, construções prévias independentes do contexto. No conflito de Israel, percebe-se que os atores de fora da lógica estatal (grupos de resistência palestinos) influenciam profundamente as práticas sociais adotadas pelos agentes em conflito; ademais, verifica-se que os partidos políticos israelenses variam em suas políticas diante dos palestinos; posto isso, a política doméstica mostra-se essencial para a dinâmica do conflito, tanto em sua faceta interna (negociações entre judeus e palestinos) quanto em sua faceta externa (negociações internacionais). Ademais, a distinção artificial entre os espaços interno e internacional se mostra inadequada, como será discutido a seguir.

Política doméstica e política internacional: dicotomia epistemológica

A distinção pré-definida entre política doméstica e política internacional ou entre os espaços doméstico e internacional - defendida pela vertente realista e por Wendt (1999) - inibe o entendimento de que atores externos ao conflito geram impactos nas próprias políticas internas de Israel e dos grupos palestinos, pois partem de uma dicotomia equivocada (Kratochwil, 1989, 1994). Essa separação é uma premissa epistemologicamente sustentada que busca, no limite, destacar uma ontologia específica para as Relações Internacionais; no entanto, essa categorização peca ao desatar duas faces intrinsecamente ligadas nos fenômenos internacionais contemporâneos, fazendo dos atributos domésticos algo secundário para as interações a nível sistêmico.

O comportamento dos agentes não foi (e não é) governado por constrangimentos estruturais de modo independente do contexto de interação. Isso faz com que reconsideremos os argumentos defendidos tanto pela vertente realista quanto pelo construtivismo estrutural. Ao fim, temos que agentes e estruturas são mutuamente constituídos nos níveis material e ideacional (Teti, 2007). A vertente realista adere a um compromisso estruturalista que a faz afirmar que o comportamento dos Estados é uma derivação de ditames da estrutura. Assim, seria a distribuição de capacidades materiais que conferiria às unidades (apenas Estados) graus de poder diferentes para a busca do interesse nacional, qual seja, a segurança. Kratochwil (1989) afirma que a teoria de Waltz (1979) e, poderíamos aduzir, da vertente realista como um todo deve ser sistêmica - o que significa, nos termos dessa vertente, ter um foco na estrutura - devido à distância entre as intenções e os significados sistêmicos dos atos. As propriedades da estrutura, então, seriam inferências diretas da distribuição de capacidades, do mundo dos fatos observacionais. Assim, ao se deparar com a dificuldade de explicação do comportamento dos atores, Waltz, segundo Kratochwil (1989), recorre ao argumento da socialização das unidades, ou seja, alude a um processo unidirecional cujo vetor sai da estrutura para os agentes, sem retorno. Dito de outra forma, a socialização seria a maneira pela qual o Estado "aprende" como o seu comportamento deve ser coerente com os constrangimentos estruturais, caso contrário sua segurança (sobrevivência) estará em risco.

O problema dessa visão de mundo não é tanto apontar que a estrutura tem peso sobre os agentes, mas sim renegar que estes possam reconstruir aquela. Os comportamentos que seriam vistos como desviantes ou incoerentes pela vertente realista somente o são, caso se parta de uma premissa de que todos os Estados são unitários, possuidores de interesses nacionais indistintos, ameaçados por atores externos e constrangidos pela estrutura. Ora, o conflito de Israel demonstra que o Estado: não é unitário - algo perceptível nas clivagens políticas, nos grupos de resistência internos e nas instituições políticas palestinas, todos com profundo impacto na dinâmica do conflito e nas negociações internacionais; não possui um interesse nacional pré-concebido, e sim construído socialmente - posto que foram as práticas sociais entre políticos, população e atores externos que conduziram a interesses variados ao longo do tempo; não percebe somente ameaças externas (de outros Estados) - dado que uma das questões políticas candentes da agenda israelense refere-se aos palestinos, vistos como potenciais ameaças à identidade judaica e sionista; e, por fim, não responde apenas a constrangimentos estruturais. Esse último ponto merece maior discussão.

Caso o comportamento das partes (agentes) do conflito seguissem ditames estruturais, as causas do conflito não se situariam nas interações domésticas e internacionais, mas apenas nas últimas (elas mesmas governadas pela estrutura). Disso poderia se concluir que a própria constituição do Estado seria uma resposta a fatores estruturais, uma vez que serviria a interesses estratégicos das grandes potências, em especial dos Estados Unidos, com relação à balança de poder regional (argumento que seria lógico na explicação da vertente realista para a qual a balança de poder é tomada como dado da política internacional). Esta conclusão, ainda que válida, não é suficiente para a compreensão do caso. Como Kratochwil (1989) salienta, a importância das condições materiais na modelação de expectativas e percepções é inegável; porém as interações não se resumem a isso, daí a necessidade do estudo da dimensão normativa. A constituição do Estado de Israel não seria legitimada na arena internacional, caso fosse justificada apenas com base em interesses instrumentais estadunidenses. As narrativas em defesa de um lugar para os judeus na região da Palestina não foram confinadas a interesses estratégicos ou materiais; mais complexas do que isso, elas representaram a atribuição de sentido que o povo judaico dava à materialidade. Do mesmo modo, os palestinos argumentavam que a terra seria de sua propriedade não por motivos puramente ligados à sobrevivência física. É pertinente afirmar que esta atribuição gera regras e normas que transformam condições materiais em recursos (Onuf, 1998b), afinal os territórios são muito mais do que pontos estratégicos, são recursos de vida (material, social, religiosa, cultural, identitária) para os povos e, assim, o valor que os povos concedem aos territórios recorre a aspectos emocionais.
A explicação realista da balança de poder acaba simplificando em demasia a análise do conflito, devido ao compromisso de parcimônia teórica, além de não problematizar a própria noção de balança de poder (Kratochwil, 1989), tomando-a como um fato observacional inconteste da atuação das unidades do sistema. Não se pode compreender o caso de Israel sem a ampliação do arcabouço teórico, tampouco com a concepção de que os agentes são apenas unidades de resposta a constrangimentos da estrutura. A vertente realista possui um compromisso meta-teórico estruturalista que acaba fazendo com que o peso da estrutura sobre agentes seja de tal ordem que estes se tornam unidades indiferenciadas funcionalmente, cujo objetivo é a sobrevivência através do melhor posicionamento na distribuição de capacidades.

A imutabilidade gerada por essa lógica realista incitou Wendt (1999) a propor uma teoria capaz de explicar mudanças que partissem, em alguma medida, dos agentes, e não somente das estruturas. Contudo, o construtivismo estrutural acaba por não satisfazer suas promessas, pois chega à conclusão explícita de que a mudança é exceção nas relações sociais: a profecia autocumpridora da cultura indica uma forte tendência de reprodução da macro-estrutura, de modo que a lógica causal das regras e das normas aparece de modo muito mais decisivo do que a lógica constitutiva.

O conflito de Israel provoca a necessidade de reconsideração da separação estrita entre os espaços doméstico e internacional, como a vertente realista e o construtivismo estrutural defendem. De acordo com o que se argumentou, a complexidade do fenômeno nos faz inferir que as unidades são, na verdade, agentes capazes de mudança da estrutura. Cabe salientar dois aspectos do que se pretende dizer pelo termo estrutura: em primeiro lugar, em conformidade com a concepção convencional, estrutura se remete ao sistema internacional; em segundo lugar, remete-se à estrutura do conflito. Por mais que estejam ambos os sentidos separados a princípio, o interessante é notar que, segundo as orientações teóricas da vertente realista e do construtivismo estrutural, o cenário do conflito seria uma derivação do desenho estrutural sistêmico (em maior medida, no caso da vertente realista, e em menor, no caso do construtivismo estrutural). Assim, o que teríamos seriam Estados em interação sistêmica, com a prévia consolidação da política doméstica, que agiriam de acordo ou com o que suas capacidades ditassem ou com o que as regras estruturais (ou as culturas de anarquia vigentes) permitissem.

Os agentes do conflito de Israel, no entanto, não agiram de nenhuma das duas maneiras supracitadas. É verdade que a estrutura interferiu na conduta de cada uma das partes do conflito, afinal a assimetria de poder material de Israel possibilitou (e ainda possibilita) maior capacidade de provimento da segurança segundo seu aspecto militar; além disso, as questões territoriais e estratégicas, de maneira geral, são de suma importância para entender os interesses de cada um; por fim, é imprescindível sustentar que a influência de atores externos é compreensível tanto porque representam ameaças à segurança de Israel (como é o caso de alguns países árabes), como porque possuem capacidades materiais que permitem maior interferência nas considerações estratégicas regionais. Diante disso, deve ficar claro que não seria correto desconsiderar a importância das relações materiais, nem mesmo da constituição estrutural dos agentes. Isto não significa, no entanto, que o poder material tenha valor em si mesmo (independente das regras e das normas que lhe atribuem sentido) ou que a estrutura somente aja em um vetor causal direcionado aos agentes. As identidades de judeus e palestinos, bem como a percepção mútua desenvolvida pelas práticas dos agentes, construíram espaços de interação (ou contextos normativos) cujas normas, mesmo estáveis, alteravam-se constantemente. Quando o povo palestino construiu uma identidade própria, as normas subjacentes à interação na região da Palestina se alteraram profundamente. Conclui-se que as regras e as normas, em convergência com o postulado de Onuf, são mediadoras da relação entre agente e estrutura (Nogueira e Messari, 2005), na medida em que indicam a capacidade de agência em determinada estrutura ou arranjo social.

Na lógica do construtivismo lingüístico, poderíamos dizer que a distribuição de benefícios na situação do conflito configura uma estrutura normativa que provê capacidades de agência diferentes a judeus e palestinos. Nesse sentido, a construção de um arranjo social ou estrutura normativa deve ser vista como um processo político e de poder, sem ser mero exercício de poder individual, uma vez que age imersa em um contexto intersubjetivamente validado. O poder, então, indica, por meio do contexto normativo de cuja construção ele participa, o que os agentes podem fazer, priorizando interpretações, narrativas e atos performativos determinados (Guzzini, 2000). Os judeus, principais membros do governo de Israel, possuem o privilégio de formular políticas públicas para lidar com os palestinos. Ao mesmo tempo, estes, por estarem concentrados nos territórios ocupados e por compartilharem princípios gerais nacionalistas, fortalecem sua influência na dinâmica do conflito, posto que, a despeito das diferenças internas entre grupos de resistência, há um interesse comum na melhoria de suas condições de vida e um sentimento de que os judeus são responsáveis, em alguma medida, pelas dificuldades pelas quais passam os palestinos. Logo, judeus e palestinos sempre carregam consigo a estrutura normativa por intermédio da qual se relacionam (Wight, 1999); o privilégio de determinados grupos não indica que a política possa desconsiderar agentes menos beneficiados (Kratochwil, 2006b), pois os que se percebem como desprivilegiados podem contestar e transformar as estruturas, como foi percebido nas Intifadas e nos atos de grupos de resistência palestinos: foram os agentes com menor poder material que contestaram o contexto normativo em que se inseriam e provocaram mudanças no mesmo.

Somado ao nacionalismo palestino, um conjunto de outras práticas conduziu a dinâmica do conflito a uma complexidade notável. As divergências políticas internas de Israel e os grupos de resistência palestinos, do lado interno, e as negociações e o envolvimento internacional, no prisma externo, demonstram que a distinção entre política doméstica e política internacional é um artifício pouco conveniente para captar a complexidade do conflito. Ao teorizarmos o Estado e, mais do que isso, ao abrirmos o leque teórico para os atores não-estatais, torna-se perceptível a existência de agentes capazes de impacto decisivo na dinâmica do conflito, derivados do âmbito interno e do internacional. Diante disso, o problema não está quando autores, como Waltz (1979) ou Wendt (1999), adotam o nível sistêmico de análise, e sim quando ambos fazem do sistema internacional uma estrutura mais forte do que a capacidade dos agentes. Não se sugere com isso que a estrutura não tenha peso, apenas que este não deve ser definido de maneira a cobrir todos os contextos de interação possíveis no espaço internacional.

Indo além, ao teorizarmos o espaço interativo, atesta-se o equívoco de Wendt (1999) quando este indica que, mesmo conservando o estadocentrismo e o compromisso estrutural, é possível explicar a mudança. É indiscutível que a estrutura é inexorável na busca dos objetivos traçados e na estabilização das expectativas entre agentes. A questão-chave é que o vetor inverso também existe, isto é, as práticas dos agentes são cruciais para o entendimento não somente da reprodução, mas também da transformação estrutural. Disso decorre uma conclusão para o argumento defendido: a relação agente-estrutura não pode ser fixada sem que o contexto seja observado. Em outros termos, os constrangimentos não são exteriores ao contexto interativo, mas sim são condições histórico-contextuais inerentes às interações, por isso há soluções possíveis em cada contexto normativo para a relação agente-estrutura, e não uma solução única (Wight, 1999).

Como Wendt (1999) postula, a estrutura é pautada nas identidades dos atores. O problema é que, de acordo com o discutido acima, as identidades não possuem dimensões pré-sociais, como o autor supõe. Com isso, a mútua constituição do construtivismo estrutural é consideravelmente mais branda do que a do construtivismo lingüístico. O nacionalismo palestino e a dinâmica mutuamente constitutiva das interações internas vis-à-vis as internacionais fazem mais do que desconfigurar a separação entre ambiente interno e externo. O conflito interno entre judeus e palestinos é uma confirmação de que as práticas sociais estabelecem padrões de relacionamento estáveis e em constante reconstrução (embora não fluidos nem indeterminados). Assim, "as culturas de anarquia"19, mencionadas por Wendt (1999), transformam-se de maneira muita mais constante do que o autor supõe. A aproximação entre judeus e palestinos no processo de Oslo e o posterior afastamento após a segunda Intifada são dois exemplos emblemáticos de como as práticas sociais são dinâmicas e, no sentido forte do termo, construtivistas.

Os nacionalismos judaico e palestino são representações das construções sociais de "objetos de amor" (love-objects), como as nações. A estabilização destes é um meio responsável pela a formação de identidades pessoais e, principalmente, pela conformação de coletividades que transcendem interesses individuais ou de gerações especificas (Kratochwil, 1989). O Estado de Israel, entendido pelos judeus como a consubstanciação da nação sionista, e a nação palestina, objeto de coesão do povo, são fortalecedores da capacidade de agência dos atores no conflito. A estrutura normativa subjacente faz com que a solução para as divergências não possa marginalizar esses sentimentos em torno dos objetos de amor de cada povo. Interesses desconectados das normas são insuficientes para a cooperação entre as partes em conflito.

Se, por um lado, a dinâmica é intensa e constante, por outro lado, a estabilidade das construções sociais é um fator que afasta a noção de que contextos são extremamente voláteis. A Questão Palestina sempre foi perpassada por percepções mútuas estáveis que, não obstante alteradas ao longo das interações, não foram, em momento algum, fluidas a ponto de inviabilizar a verificação de princípios gerais norteadores da conduta dos agentes. Um exemplo claro disso são os partidos políticos israelenses: as narrativas divergentes entre ambos se mantiveram estáveis ao longo do tempo, de modo que eram claras as diferenças de normas que governaram as práticas sociais (políticas públicas) de ambos. Esta diferença também é inegável entre os grupos de resistência palestinos: a tomada de poder do Hamas na Faixa de Gaza fez com que Abbas, membro do Fatah, tivesse o reconhecimento internacional fortalecido, em certa medida, por representar um grupo de identidade mais moderada na disputa.
O conflito de Israel, como pôde ser atestado, possui grande complexidade, uma vez que abarca múltiplas variáveis advindas das relações entre Israel e os territórios ocupados; entre grupos políticos internos, tanto no governo israelense quanto no palestino; e entre as partes em conflito e os atores externos, regionais e internacionais. Ademais, as variáveis múltiplas do conflito não se resumem a questões territoriais, mas também a obstáculos ideacionais, ou seja, a hostilidade e o descrédito mútuos são fatores decisivos para o malogro dos acordos, pois impedem a construção de confiança entre as partes, evitando a coordenação de suas ações.

O contexto de interação entre judeus e palestinos se configura em um espaço constituído por agentes domésticos e internacionais, envolvidos em uma dinâmica complexa de múltiplas variáveis em jogo, na qual as identidades e os arranjos sociais são constantemente reconstruídos sob um prisma de caráter político inseparável. Assim, não seria adequado: tratar os agentes como atores constrangidos em demasia pela estrutura do conflito; considerar os agentes como sendo apenas Estados (ou grupos que agem por meio dele) que conservam imutáveis suas políticas domésticas; ou abordar o conflito com uma visão de que a mudança é uma exceção à continuidade das relações.

Diante disso, a abordagem para as divergências em disputa entre palestinos e judeus deve compreender que agentes, estruturas e identidades são traços intrínsecos que não podem ser categorias exógenas ao contexto interativo e dinâmico em que a mudança não é, de modo algum, uma exceção à continuidade das relações. Poder e política são vetores cruciais para a compreensão do modo como estes traços se relacionam.

Conclusão

O estudo sobre o conflito interno de Israel se remeteu às origens da Questão Palestina, chegando até as controvérsias atuais. Percebeu-se que judeus e palestinos fazem parte de um contexto interativo complexo no qual normas, identidades, narrativas e percepções mútuas estão em constante reconstrução. Os agentes buscam, ao fim e ao cabo, vantagens na distribuição de benefícios geradora de sucessivos arranjos sociais. Suas ações não são levadas a cabo apenas por considerações materiais ou estratégicas e tampouco os benefícios almejados são apenas de ordem material. A estrutura normativa, em que os agentes estão imersos, determina privilégios por meio de práticas sociais políticas que envolvem o poder. No entanto, o poder não está no âmbito da materialidade apenas, visto que esta depende dos significados intersubjetivos atribuídos pelos agentes.

Por serem também ideacionais, as estruturas normativas são essencialmente contestáveis pelos agentes; mais do que isso, por dependerem tanto dos agentes privilegiados, quanto dos desprivilegiados, elas sempre são passíveis de transformação. A se levar em conta apenas a distribuição de poder material, a assimetria de capacidades entre judeus e palestinos poderia ser uma variável suficiente para que o conflito fosse solucionado. Considerando a cultura como uma macro-estrutura de difícil alteração, a estrutura conflitiva seria uma profecia auto-cumpridora, ou seja, as relações seriam cada vez mais pautadas por padrões de inimizade que se reforçariam.

No entanto, o conflito de Israel nos leva a conclusões interessantes. Em primeiro lugar, as relações internacionais não se resumem às relações entre unidades estatais; em segundo lugar, a arena internacional não pressupõe fixação da política doméstica; terceiro, as identidades são construções sociais em todos seus aspectos; quarto, o potencial transformativo das identidades faz com que interesses nacionais não possam ser fixados sem consideração pela história; quinto, a variação das identidades e, portanto, dos interesses indica que os comportamentos não são apenas prescrições estruturais, visto que a capacidade de agência não é resultado apenas de uma posição na distribuição de capacidades materiais; sexto, a mudança estrutural ocorre por meio das interações entre os agentes, e estas não são pré-determinadas pela estrutura.

Referências Bibliográficas

ARAFAT, Yasser. The Palestinian Vision of Peace. New York Times, Nova Iorque, 2002. Disponível em: < http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=9507E0D6173DF930A35751C0A9649C8B63#>. Acesso em: 20 set. 2007.

BANCO MUNDIAL. Two Years after London: Restarting Palestinian Economic Recovery. 24 set. 2007.

BARNETT, Michael. Culture, Strategy and Foreign Policy Change: Israel's Road to Oslo. In: European Journal of International Relations, v.5, n.1, p.5-36, 1999.

BASKIN, Gershon e ROSENBERG, Sharon. The New Walls and Fences - Consequences for Israel and Palestine. Bruxelas: Center for European Policy Studies, Middle East & Euro-Med Project, Working Paper n.9, p.1-20, 2003.

BEHNKE, Andreas. Grand Theory in the Age of its Impossibility: Contemplations on Alexander Wendt. In: Cooperation and Conflict, v.36, n.1, p.121-134, 2001.

BIELER, Andreas e MORTON, Adam David. The Gordian Knot of Agency-Structure in International Relations: A Neo-Gramscian Perspective. In: European Journal of International Relations, v.7, n.1, p.5-35, 2001.

BROM, Shlomo. From Rejection to Acceptance: Israeli National Security Thinking and Palestinian Statehood. Washington: United States Institute of Peace, Special Report 177, p.1-20, 2007.

BROWN, Michael (ed.). The International Dimensions of Internal Conflict. Cambridge: MIT Press, 1996. Introduction, p.1-32.

CATTAN, Henry. Palestina, los árabes e Israel. 2.ed. México: Siglo Veintiuno, 1970.

CEDERMAN, Lars-Erik e DAASE, Christopher. Endogenizing Corporate Identities: The Next Step in Constructivist IR Theory. In: European Journal of International Relations. v.9, n.1, p.5-35, 2003.

CIA. CIA FACT BOOK. Disponível em: < https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/print/gz.html>. Acesso em: 08 out. 2007.

CORDESMAN, Anthony H. The Middle East Crisis: Six 'Long Wars' and Counting. Washington: Center for Strategic and International Studies, p.1-6, agosto, 2006.

COX, Robert W. Social Forces, States, and World Orders: Beyond International Relations Theory. In: KEOHANE, R. O. (ed.). Neorealism and Its Critics. Nova Iorque: Columbia University Press, 1986. Cap. 8, p.204-254.

D'AOUST, Anne Marie. Abusing History: A Critical Analysis of Mainstream International Relations Theory Misconduct. Québec: Center for United States Studies of the Raoul Dandurand Chair of Strategic and Diplomatic Studies, Occasional Paper, n.6, 2004, p.1-17.

DELLAPERGOLA, Sergio. Demography in Israel/Palestine: Trends, Prospects, Policy Implications. In: IUSSP XXIV GENERAL POPULATION CONFERENCE. Population Change and Political Transitions. Salvador, 2001, p.1-34..

DINAR, Shlomi. The Israeli-Palestinian Water Conflict and Its Resolution: A View Through International Relations Theory. In: 40th ANNUAL CONVENTION. International Studies Association, fevereiro 1999.

DOWTY, Alan. Hesitant Hegemon: The United States and the Israeli-Palestinian Impasse. In: Journal of Military and Strategic Studies, v.6, issue 4, p.1-16, 2004.

EMERSON, Michael e TOCCI, Nathalie. Road Maps and Final Destinations for Israel and Palestine. Centre for European Policy Studies, Working Paper n.12, p.1-25, apr. 2003.

ERLANGER, Steven e COOPER, Helene. Israel Pressures Hamas Ahead of Rice's Arrival. New York Times, Nova Iorque, 20 set. 2007. Disponível em: < http://www.nytimes.com/2007/09/20/world/middleeast/20mideast.html?_r=1&oref=slogin&ref=middleeast&pagewanted=all>. Acesso em: 23 set. 2007.

ESCOBAR, Pepe. The Roving Eye. Welcome to Planet Gaza. In: Asian Times, Oriente Médio, 22 set. 2007. Disponível em: < http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/II22Ak03.html>. Acesso em: 27 set. 2007.

GEORGE, Pierre. Geopolítica de las Minorías. 1.ed. Barcelona: Oikus-Tau, 1985.

GUZZINI, Stefano. "Power" in International Relations: Concept Formation between Conceptual Analysis and Conceptual History. Copenhagen: Copenhagen Peace Research Institute, 2002, p.1-28.

GUZZINI, Stefano. A Reconstruction of Constructivism in International Relations. In: European Journal of International Relations, v.6, n.2, p.147-182, 2000.

HOPF, Ted. The promise of constructivism in international relations theory. In: International Security, v.23, n.1, p.171-200, 1998.

INTERNATIONAL CRISIS GROUP. A Time to Lead: The International Community and the Israeli-Palestinian Conflict. Bruxelas: Middle East Report, n.01, 10 abr. 2002.

______________________________________. After Gaza. Bruxelas: Middle East Report, n.68, 02 ago. 2007.

______________________________________. After Mecca: Engaging Hamas. Bruxelas: Middle East Report, n.62, 28 fev. 2007

______________________________________. Identity Crisis: Israel and Its Arab Citizens. Bruxelas: Middle East Report, n.25, 04 mar. 2004.

______________________________________. Palestinians, Israel, and the Quartet: Pulling Back from the Brink. Bruxelas: Middle East Report, n.54, 13 jun. 2006.

______________________________________. The Arab-Israeli Conflict: To Reach a Lasting Peace. Middle East Report, n.58, 05 out. 2006.

______________________________________. The Israeli-Palestinian Conflict: Annapolis and After. Middle East Policy Briefing, n.22, 20 nov. 2007.

ISH-SHALON, Piki. Theory as a Hermeneutical Mechanism: The Democratic-Peace Thesis and the Politics of Democratization. In: European Journal of International Relations, v.12, n.4, p.565-598, 2006.

ISRAELI CENTRAL BUREAU OF STATISTICS. Disponível em: < http://www.cbs.gov.il/hodaot2004/01_04_98e.htm#_ftnref3>. Acesso em: 24 set. 2007.

KACOWICZ, Arie M. Rashomon in the Middle East: Clashing Narratives, Images, and Frames in the Israeli-Palestinian Conflict. In: Cooperation and Conflict, v.40, n.3, p.343-360, 2005.

KAMM, Shira. The Arab Minority in Israel: Implications for the Middle East Conflict. Bruxelas: Center for European Policy Studies, Middle East & Euro-Med Project, Working Paper n.8, p.1-28, 2003.

KOSLOWSKI, Rey e KRATOCHWIL, Friedrich. Understanding Change in International Politics: The Soviet Empire's Demise and the International System. In: International Organization. v.48, n.2, p.215-247, Spring, 1994.

KRATOCHWIL, Friedrich V. History, Action and Identity: Revisiting the 'Second' Great Debate and Assessing its Importance for Social Theory. In: European Journal of International Relations, v.12, n.1, p.5-29, 2006a.

________________________________. On Legitimacy. In: International Relations, v.20, n.3, p.302-308, 2006b.

________________________________. Rules, Norms and Decisions: On the Conditions of Pratical and Legal Reasoning in International Relations and Domestic Affairs. Cambridge: Cambridge Universtity Press, 1989.

_________________________________. The Limits of Contract. In: European Journal of International Law, n.5, p.465-491, 1994.

KUMARASWAMY, P. R.. Problems of Studying Minorities in the Middle East. In: Alternatives: Turkish Journal of International Relations, v.2, n.2, p.244-264, 2003.

MEARSHEIMER, John J. b. Nova Iorque: W. W. Norton & Company , 2001.

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DE ISRAEL. Disponível em: < http://www.mfa.gov.il>. Acesso em: 08 out. 2007.

MOLLOY, Seán. Realism: A Problematic Paradigm. In: Security Dialogue, v.34, n.1, p.71-85, 2003.

NOGUEIRA, João Pontes e MESSARI, Nizar. O Construtivismo. In: NOGUEIRA, João Pontes e MESSARI, Nizar. Teoria das Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2005. Cap.6, p.162-186.

NOGUEIRA, João Pontes. Notas sobre a Contribuição da Teoria Crítica à Problematização do Espaço nas Relações Internacionais. In: Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v.22, n.2, 2000.

NYE JR., Joseph S. Understanding International Conflict. An Introduction to Theory and History. 3.ed. Nova Iorque: Longman, 2000.

ONUF, Nicholas Greenwood. Constructivism: A Userīs Manual. In: KUBÁLKOVÁ, Vendulka; ONUF, N.; e KOWERT, P. In: International Relations in a Constructed World. Nova Iorque: M.E. Sharpe, p.58-78, 1998a.

___________________________________. The Constitution of International Society. In: European Journal of International Law, n.5, p.1-19, 1994.

___________________________________. The Republican Legacy in International Thought. Cambridge: Cambridge University Press, 1998b.

___________________________________. The Strange Career of Constructivism in International Relations. In: PUCHALA, D. J. (ed.). Visions of International Relations: Assessing on Academic Field. Columbia: University of South Carolina Press, p.119-141, 2002.

__________________________________. World of Our Making: Rules and Rule in Social Theory and International Relations. Columbia: University of South California Press, 1989.

PERES, Shimon. O Novo Oriente Médio. Nova Iorque: Holt & Company, 1993.

ROGERS, Katrina S. Toward a Postpositivist World: Hermeneutics for Understanding International Relations, Environment and Other Important Issues of Twenty-First Century. New York: P. Lang, 1996.

SHENAV, Shaul R. Political Narratives and Political Reality. In: International Political Science Review, v.27, n.3, p.245-262, 2006.

TETI, Andrea. Bridging the Gap: IR, Middle East Studies and the Disciplinary Politics of the Area Studies Controversy. In: European Journal of International Relations, v.13, n.1, p.117-145, 2007.

WALKER, R. B. J. Realism, Change, and International Political Theory. In: International Studies Quarterly, n.31, p.65-86, 1987.

WALTZ, Kenneth N. Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: Gradiva, 2002. (Tradução do livro Theory of International Politics. Reading: Addison-Wesley, 1979).

WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

WIENER, Antje. Constructivism: The Limits of Bridging Gaps. In: Journal of International Relations and Development, v.6, n.3, p.252-275, 2003.

_________________. Constructivist Approaches in International Relations Theory: Puzzles and Promises. In: Constitutionalism Webpapers, n. 5, p.1-27, 2006.

WIENER, Antje. Contested Compliance: Interventions on the Normative Structure of World Politics. In: European Journal of International Relations, v. 10, n. 2, p.189-234, 2004.

WIGHT, Colin. They Shoot Dead Horses Don't They? - Locating Agency in the Agent-Structure Problematique. In: European Journal of International Relations, v. 5, n. 1, p.109-142, 1999.

ZAHREDDINE, Danny. O conflito palestino-israelense: Implicações regionais e tendências. In: BRIGAGÃO, Clóvis e PROENÇA JR., Domício (orgs.). Brasil e os Novos Conflitos Internacionais. 1. ed. Rio de Janeiro: Gramma, 2006, p.67-81.



Notas



O presente artigo é parte do Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito para graduação em Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Agradeço de modo muito especial ao meu orientador, professor Eduardo Soares Neves Silva, sem o qual seria impossível a elaboração deste trabalho. Agradeço, ainda, aos professores Paulo Esteves e Onofre dos Santos Filho pelos comentários e pela aceitação em participar da banca examinadora que avaliou o Trabalho com nota máxima.

1Israel será entendido como o território oficial do Estado, isto é, incluindo os territórios ocupados da Faixa de Gaza e da Cisjordânia.

2Para um estudo amplo sobre minorias, ver George (1985).

3A vertente realista é entendida como o conjunto que compreende o neorealismo de Kenneth Waltz e as variações posteriores que conservam a orientação estruturalista defendida pelo autor (exemplificadas pelo realismo ofensivo de Mearsheimer). Como alertam Walker (1987) e Molloy (2003), o pensamento realista é muito amplo e diversificado; no entanto, a predominância da vertente de orientação estruturalista é patente após a obra de Waltz (1979).

4Michael Brown (1996) define conflito interno como disputas políticas de caráter (potencial ou efetivamente) violento, cujas origens podem ser traçadas a partir de fatores domésticos, ao invés de sistêmicos (ou internacionais), e no qual ocorre ou se ameaça o uso de violência armada, em um primeiro momento dentro das fronteiras de um Estado. Nesse quadro, o conflito de Israel pode ser definido como um conflito interno, visto que as disputas ocorrem dentro das fronteiras controladas pelo poder central do governo de Israel, ainda que, como veremos, alguns territórios possuam peculiaridades.

5Até então, os judeus formavam aproximadamente 8% da população da região, ao passo que os árabes eram 90% (Cattan, 1974)

6No mesmo dia, a Grã-Bretanha renunciou ao Mandato a ela concedido em 1922.

7Wendt (1999) defende a existência de quatro identidades dos agentes, dentre as quais três são sociais (de papel, de tipo e coletiva) e uma é pré-social. Esta é a identidade corporativa que, no caso dos Estados, equivale-se à política doméstica. Assim, Wendt (1999) quer dizer que, no sistema internacional, os Estados interagem tendo definido previamente sua política doméstica.

8Seu principal representante, a partir de então, foi a OLP, a qual chegou a proclamar o Estado da Palestina, em 15 de novembro 1988, baseada na solução proposta da ONU de dois Estados; a tentativa se malogrou, pois não auferiu o reconhecimento internacional.

9Em 1973, Egito e Síria lançaram um ataque surpresa contra Israel, deflagrando uma guerra denominada por Yom Kippur.

10A revolta de 1987 gerou pressões internacionais e internas para que Israel abrisse o diálogo.

11A Declaração de Princípios, estabelecida em setembro de 1993, estipulou uma abordagem incremental para o conflito, a qual aspirava a um acordo final permanente por meio de passos evolutivos nas interações (International Crisis Group, abril de 2002); seus resultados mais expressivos foram o reconhecimento mútuo entre Israel e a OLP, representante do povo palestino, e a posterior criação da Autoridade Nacional Palestina ou Autoridade Palestina, responsável pela governança dos territórios ocupados, presidida por Yassir Arafat entre 1996, ano das primeiras eleições, até sua morte, em 2004.

12Brom (2007) apontou uma divisão entre os que argumentam a favor de uma solução de dois Estados. O primeiro grupo defenderia um acordo negociado com os palestinos, vislumbrando até o estabelecimento de relações econômicas entre ambos. Seria o que Baskin e Rosenberg (2003) chamaram de separação política, que definiria dois Estados separados, soberanos e possivelmente cooperativos, com o fim da ocupação de Israel na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e na parte leste de Jerusalém, reduto palestino. O segundo grupo, dominante, advoga em favor de um plano unilateral do governo. Na segunda versão, a separação seria não somente política, como também demográfica e econômica, removendo todos os palestinos do Estado de Israel, estipulando uma separação física entre eles e os judeus. Essa última visão deu origem à proposta de construção de cercas e muros que separassem a Cisjordânia do resto de Israel, visando, de acordo com a justificativa oficial, a prevenção de ataques suicidas contra civis israelenses. Vale notar que um muro similar já foi erigido em torno da Faixa de Gaza, em 1994, pelo Estado de Israel. Nas eleições de 2003, a construção do muro foi pauta recorrente: o partido Trabalhista acusou o Likud de não o construir por motivos políticos, enquanto a maioria dos partidos defendeu a construção do muro.

13Ver Baskin e Rosenberg (2003).

14No final de 2007, deu-se início a uma outra grande tentativa de negociação do conflito, na cidade de Annapolis, nos Estados Unidos. No momento da elaboração do artigo, no entanto, não era possível analisar as repercussões e expectativas que circundam esse novo processo. Para maiores detalhes do que vem a ser o processo de Anápolis,, ver o policy briefing do International Crisis Group, intitulado "The Israeli-Palestinian Conflict: Annapolis and After", do dia 20 de novembro de 2007.

15Essa trajetória de Sharon, segundo Brom (2007), é análoga à evolução do pensamento político israelense, que passou a considerar a possibilidade de um Estado Palestino, sem que com isso se estabelecesse uma relação de confiança com os palestinos, como fica claro com as ações unilaterais defendidas pelo político.

16Segundo dados apresentados pelo International Crisis Group (junho de 2006), os custos operacionais da instituição são, em média, de 165 milhões de dólares, dos quais apenas 21% são obtidos diretamente pela Autoridade Palestina. Dos 79% restantes, ou 130 milhões, entre 50 e 60 milhões são provenientes de impostos coletados por Israel e repassados à instituição e entre 70 e 80 milhões requerem outras fontes.

17A "Iniciativa dos Prisioneiros" foi um documento elaborado por prisioneiros palestinos em prisões situadas no Estado de Israel. Sua importância é devido ao fato desses prisioneiros serem proeminentes entre o povo palestino e de orientações políticas diversas (entre eles, membros do Fatah e do Hamas), e, por isso, possuírem grande influência social e política. O "Documento de Conciliação Nacional" consiste em 18 pontos que buscariam o estabelecimento de um acordo entre os grupos rivais palestinos.

18Ver Erlanger e Cooper (2007).

19Wendt (1999) aponta a possibilidade de ocorrência de três culturas de anarquia, hobbesiana, lockeana e kantiana, que se remetem aos padrões de amizade e inimizade vigentes entre os agentes na macro-estrutura.